segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Ganham pouco e arriscam a vida

O braço militar mais importante do Gabinete de Gerenciamento de Crises, da Secretaria de Segurança Pública (SSP), é considerado a tropa de elite da Polícia Militar de Sergipe, mas o salário que cada um deles recebe está bem longe do elogio. Trata-se do Comando de Operações Especiais (COE), que mesmo sem uma remuneração diferenciada não faltam candidatos para se integrar a esse seleto grupo, principalmente depois do filme "Tropa de Elite", que mostra com muito realismo as incursões do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Rio de Janeiro nos morros cariocas. "Todo mundo quer vir para cá", disse o comandante do COE, capitão PM Henrique Oliveira Rocha. "Virou uma febre", brinca.
Mas fazer parte do COE não é algo simples. O próprio comandante Henrique passou por um curso de quatro meses extremamente difícil, suportando situações muito adversas: passar muita fome, sede, frio, cansaço, para aprender a raciocinar sob pressão. O capitão Henrique tem no corpo as marcas do treinamento penoso, com cortes no rosto, queixo e nas costas, situação que termina por desmistificar o medo de receber um soco no rosto, por exemplo. O treinamento do COE sergipano não tem nenhuma diferença da que é feita pelos colegas do Bope carioca, onde o treinamento dura de três a cinco meses e 90% dos desistentes saem nos dez primeiros dias.Nas paredes da sede do COE estão as fotos dos treinamentos: policiais estraçalhando uma galinha nos dentes; fotos de um militar com as costas em sangue; policial dentro d’água por horas intermináveis. Isso sem falar no teste em que 20 homens se preparam para atacar um. Tudo para testar a resistência física e psicológica. Quem não agüentar o ritmo intensivo e extenuante do treinamento está fora. E mesmo quando passam por todos esses testes, quando há algum deslize que ponha em risco a vida do grupo o capitão Henrique retira aquele militar que não deu certo.

Mas quem se prepara tem que trabalhar sob pressão. E segue uma estratégia: primeiro salvar a vida do refém, em seguida das pessoas envolvidas na crise, depois a sua própria vida [a do policial] e por fim a do meliante. O capitão Henrique lembra que num estágio de ações táticas especiais 55 militares participaram. Desse total, somente 19 foram aprovados nos testes de aptidão física e apenas cinco concluíram.


Quando concluem o curso de 14 semanas, os militares recebem o codinome de "Caveira". Durante as atividades do COE, eles não são chamados pelos nomes próprios. Todos são Caveira e para diferenciar cada um tem um número. Até mesmo nos treinamentos que fazem na antiga Casa de Detenção de Aracaju (CDA) os militares se tratam por esse codinome. Aliás, treinamento é obrigatório no COE. Depois de um plantão de 24 horas, eles seguem para a CDA para o treinamento, até porque é impossível prever que situações reais encontrarão pela frente.


Salários


Fazer parte do COE é ser diferente dos demais militares, bem mais treinados, pois seguem uma doutrina mundial de operações especiais, dividida em quatro fases: rusticidade, policial, técnica e operações reais. E a diferença é justamente a performance, o preparo de cada um, porque no quesito salário os militares do COE ganham igual aos demais militares que jamais passaram – ou quem sabe nunca passarão – por um preparo tão seleto.


O secretário de Segurança Pública de Sergipe, Kércio Pinto, reconhece que os salários dos homens do COE – um total de 45 – são iguais aos dos demais integrantes da Polícia Militar, mesmo atuando somente em situações de extrema crise, quando a polícia convencional não consegue mais resolver o problema. Kércio informou que esses militares recebem diárias porque todos os dias duas equipes viajam para o interior do Estado.


"Todos do COE são extremamente preparados, capacitados para enfrentar as organizações criminosas", disse Kércio Pinto, frisando que um salário diferenciado depende de um projeto de lei na Assembléia Legislativa de Sergipe. A alternativa para melhorar o salário no final do mês são as diárias: um oficial tem uma diária de R$ 35, sargento R$ 31 e soldado R$ 26. Levando-se em consideração que as equipes, revezando-se, viajam dez dias por mês, basta uma conta de multiplicar e chega-se ao valor agregado ao salário de cada patente. Respectivamente, cada um tem somado ao salário R$ 350, R$ 310 e R$ 260.


Ao baixo salário da tropa de elite, some-se a carga horária, que também é diferenciada dos demais militares, por conta de outro detalhe: depois de cada plantão de 24 horas, eles ainda têm que ir para o treinamento no CDA, ao invés de descansar. São 290 horas/mês de trabalho. Para o comandante-geral da Polícia Militar, coronel José Péricles Menezes de Oliveira, dar salários diferenciados ao COE seria discriminar os demais integrantes da corporação – um efetivo de 6.500 pessoas – e diz que eles são muito bem preparados, "porque a PM oferece condições para isso".


Segundo ele, cada um dos integrantes da PM tem a sua importância e que o ideal é que pudesse dar a todos as mesmas condições de curso, armamento e munição aos demais. "O COE atende situações extraordinárias, é um comando especializado para ocorrências mais impactantes, mas não tem que ter salário diferenciado", afirmou o comandante geral.


Heróis não têm identificação


Os 45 policiais do COE são considerados heróis anônimos. Isso porque, durante as operações, os seus rostos não aparecem: usam balaclava (touca que só deixa visível os olhos) e capacete balístico, que impede a identificação. Tudo por segurança. Mesmo com o anonimato e com o treinamento excessivo, na hora da ação o frio percorre a espinha de cada um e vem o medo da morte. "Mas o treinamento supera isso", argumenta o policial "Caveira 18", dizendo que "o homem é treinamento".


Segundo ele, "todo mundo tem medo, faz parte da vida, mas treinamento e equipamento são tudo". E qual foi o pior momento do Caveira 18 no COE? Em setembro de 2005, quando uma quadrilha assaltou a agência do Banco do Brasil, em Lagarto, e estava armada com fuzis AR-15, munição que poderia transfixar o colete que usava. Durante a fuga, os acusados mataram duas pessoas inocentes, os irmãos Evandro e Emelson Santos Leal, 37 e 45 anos, respectivamente, que passavam com uma motocicleta pelo local. Foram levados como reféns os dois filhos do gerente e um vigia do banco.


Nessa ação, que preocupou Caveira 18, morreu Francimar Carneiro, conhecido como "Cimar", e foram presos Clênio Dias da Silva, 31 anos, natural de Pernambuco, e José Fernando Paulino, 37, do Rio Grande do Norte, que foi detido em um ônibus em Malhada dos Bois enquanto tentava fugir do Estado de Sergipe.


O colega de Caveira 18, Caveira 14, disse que a disciplina é importante e que o treinamento os deixam preparados para enfrentar qualquer missão. Ele não lembra, como o colega, de uma situação que o tenha deixado perplexo.


Policiamento é setorizado


Quando assumiu o COE, em 3 de janeiro passado, o capitão PM Henrique Oliveira Rocha, 30 anos, sendo nove na corporação, apresentou um planejamento ao comando geral que foi aceito. Ele dividiu o Estado – que tem 75 municípios em 13 setores, identificado por letras (de A a N), onde as viaturas percorrem, diariamente, 12 municípios. Eles – os policiais – estão sempre bem armados e preparados para agir em qualquer situação.


Apesar de não ter uma estatística, o capitão Henrique diz que os assaltos a banco diminuíram no interior do Estado. Ele explica que quando uma equipe – formada, em média, por cinco homens – chega numa cidade o oficial comunica à delegacia que está naquela área, faz o mesmo numa Companhia da PM mais próxima e também à rede bancária, fornecendo o número de um telefone celular funcional que pode ser acionado em qualquer emergência.
Aliado a esse trabalho no interior, o COE possui o seu próprio serviço de inteligência, que trabalha em sintonia com a Divisão de Inteligência Policial (Dipol). Por questões de segurança, os integrantes da inteligência ficaram anônimos, mas são de vital importância para que as incursões do COE tenham sucesso.


Lealdade e integridade


Os militares do COE têm um hino próprio, onde os primeiros lemas são "lealdade, destemor e integridade". Eles são "uma companhia coesa e unida, não recua ante a adversidade, com ousadia enfrentamos realidade". Em Aracaju, na sede que fica no Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), próximo ao Hospital de Urgência João Alves Filho, os militares rezam uma oração antes de cada operação.


Um dos trechos diz o seguinte: "possamos sempre lembrar que a nossa nação, cujo lema é ordem e progresso, espera que cumpramos com nosso dever, por nós próprios, com honra e que nunca envergonhemos nossa fé, nossa família ou nossos camaradas".


E rezam: "É pelo Senhor que combatemos e a Ti pertencem os louros de nossas vitórias, pois Teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém. Operações Especiais. Caveira!".
O Comando de Operações Especiais tem seus próprios mandamentos. São os seguintes: agressividade controlada, controle emocional, disciplina consciente, espírito de corpo, flexibilidade, honestidade, iniciativa, lealdade, liderança, perseverança e versatilidade.