Antes mesmo de o STF concluir o julgamento que consagrou o princípio da fidelidade partidária, os partidos governistas já haviam tramado uma saída para anistiar os infiéis. Pela decisão do Supremo, continuam sujeitos à perda de mandato pelo menos 15 deputados que viraram a casaca antes de 27 de março. Se vingar a trama urdida na Câmara, a sentença do STF vai virar letra morta.Nas 48 horas que antecederam a sessão do STF, os governistas vinham ameaçando aprovar um projeto de anistia aos infiéis caso o tribunal impusesse algum tipo de sanção. Na verdade, o projeto já existe. É a proposta de lei complementar número 35, de 2007. Foi aprovada na Câmara em 14 de agosto. Aguarda agora a apreciação do Senado para converter-se em lei.O projeto traz em seu artigo 5º uma espécie de cavalo de tróia que leva na barriga todos os infiéis. Diz o seguinte: “Ficam resguardadas e convalidadas todas as mudanças de filiação partidária constituídas até a data de 30 de setembro de 2007, não incidindo nenhuma restrição de direito ou sanção.”Ou seja, não correriam o risco de perder o mandato nem os deputados que pularam a cerca depois de 27 de março nem os que saltaram para quintais alheios antes da data-limite fixada pelo STF. Na noite passada, a trupe dos infiéis chegava a papelada que oficializou a traição. No início da madrugada, 15 dos 46 traidores já haviam constatado que estão na rota da guilhotina. Outros dois ainda ruminavam dúvidas quanto à data da pulada de cerca –se anterior ou posterior à data fixada pelo Supremo.O autor da proposta da anistia é ninguém menos que o deputado Luciano Castro (RR), na foto acima. Vem a ser líder do PR, o partido governista que mais se lambuzou no banquete da infidelidade –saiu das urnas de 2006 com 25 deputados. Hoje, tem uma bancada de 42.Castro foi auxiliado na manobra pelo colega Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS). Deu-se o seguinte: o texto original do projeto tinha aparência moralizadora. Tornava inelegíveis por quatro anos os detentores de mandatos eletivos no Legislativo e no Executivo que trocassem de partido. Ganhou a adesão das legendas oposicionistas e foi remetido, a toque de caixa, para o plenário.Ali, o deputado Ribeiro Filho, nomeado relator da matéria, cuidou de injetar no projeto, em combinação com as legendas associadas ao consórcio governista, dois pulos do gato. O primeiro é o artigo da anistia. O segundo salto de felino encontra-se no parágrafo 4º do artigo 3º da proposta.Anota o seguinte: estarão livres de punição os políticos que migrarem de um partido para outro 30 dias antes do prazo de um ano exigido para a filiação dos candidatos às eleições subseqüentes. Com essa esperteza, abriu-se uma janela para a infidelidade nos meses de setembro dos anos que antecedem as eleições.Por exemplo: políticos que desejam concorrer a vereador ou a prefeito nas eleições municipais de 2008, teriam licença para trair até o final do próximo mês de setembro. Ou seja: além de livrar a cara dos que já aderiram ao troca-troca, a proposta abre caminho para novas migrações mesmo depois da sentença do STF.Na Câmara, o projeto que institui a pantomima foi aprovado por grossa maioria: 292 votos a favor, 34 contra e três abstenções. O DEM apresentou, em plenário, uma emenda para tentar arrancar da proposta o artigo da anistia aos infiéis. Foi rejeitada por um placar ainda mais acachapante: 310 votos a favor da manutenção da anistia, 28 contra e duas abstenções.Resta saber agora se o Senado irá convalidar a proposta que converte o escárnio –o troca-troca desenfreado— no inaceitável –a anistia geral e irrestrita. As legendas governistas da Câmara já pressionam suas congêneres no Senado para que a brincadeira chegue logo ao plenário da Câmara Alta. A proposta encontra-se na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. O dissidente Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) havia sido nomeado relator. Entre quatro paredes, manifestara a intenção de mandar a esperteza ao arquivo. Nesta quinta-feira (4), porém, o PMDB de Renan Calheiros cuidou de destituir Jarbas da comissão.