A Mesa da Câmara dos Deputados numa ação de puro marketing político enterrou de uma vez o sonho dos suplentes de vereador em todo o Brasil. Em cima de políticos simples e desconhecidos que se preparavam para assumir um mandato de vereador, figuras com bastante poder no Congresso, tentando atrair holofotes e acenar para a mídia, barraram a pretensão que estava prestes a se concretizar.
Agora estes senhores, em face da decisão que tomaram, posam como arautos da moralidade, e usam de sua aparente revolta e de seu arsenal de maldades, para os seus projetos de ascensão política. Tanto que, no dia imediato à jogada esperta, aproveitando-se da situação que, à primeira vista, lhe parecia bastante favorável, o Presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, em meio à polêmica, lançou na mesma hora a sua candidatura ao governo do Estado de S. Paulo. Ao mesmo tempo, com um discurso afiado, em atitude de desafio, se recusava a assinar a promulgação, instigando a opinião pública contra o Senado, insinuando, falsamente, que a PEC aumentava despesa.
Se é assim, por que então o Presidente da Câmara encaminhou tão malsinada proposta para o Senado? Por que não a deixou dormindo nas abarrotadas gavetas da Casa, no mesmo lugar onde dormitam centenas de propostas mais importantes como a da Revitalização do Rio S. Francisco, que, por sinal, se encontra na pauta há mais de 6 anos?
A PEC dos Vereadores desde o ano de 2004, sem pressa para despertar, repousava nas gavetas da Câmara dos Deputados. No entanto, para agradar os candidatos a vereador antes das eleições, a Mesa a incluiu na pauta para ser votada apressadamente, no fim de maio. Com o Senado repleto de Medidas Provisórias trancando os seus trabalhos, a matéria chegou à CCJ, com um incremento de 7.343 novas vagas de vereadores.
Para dar como resolvido o ponto nevrálgico e mais polêmico (a questão da despesa), o relator na Câmara deu uma redação contorcionista, na tentativa de enrolar e convencer a mídia, que criticava a matéria por criar impacto na despesa pública. Por esta razão, a PEC original, aquela que chegou ao Senado, tocava na questão da despesa trazendo no seu conteúdo verdadeiras armadilhas ou artimanhas de ordem política, como a fixação de limites de despesas das Câmaras de Vereadores de acordo com a receita do município expressa em real (R$), abandonando o critério da população conjugado com o da receita, como prescreve a Carta Magna de 88.
Toda essa coisa mal feita, mal redigida, no fundo, tinha objetivos demagógicos e oportunistas, pois, afinal, terminava por colocar nas costas do Senado a responsabilidade de corrigir o monstrengo ou rejeitar a proposta eivada de defeitos e armadilhas. Tenho certeza que a Mesa da Câmara sabia que a proposta como estava não podia prosperar. Que o Senado assumisse então possível desgaste com a modificação que precisava ser feita. Com a negativa em não assinar a promulgação, o Senado foi apunhalado pelas costas.
Hoje estou convicto de que melhor seria para o Senado ter recusado essa matéria, colocando-a no arquivo das coisas mal-conduzidas e mal-elaboradas.
O que foi então que aconteceu no Senado que provocou a turbulência que até o STF foi chamado para intervir?
Em virtude das distorções e incongruências embutidas na PEC dos Vereadores os senadores resolveram aperfeiçoá-la. Todavia, só poderiam fazê-lo, e promulgá-la pelo menos em parte, se fosse desmembrada em duas propostas. Na primeira, o Senado concordaria, como concordou, com o aumento de vereadores, o mesmo número que veio da Câmara dos Deputados, de 7.343 novas vagas. Esta proposta destacada do texto original é a que deveria ter sido promulgada para entrar em vigor de imediato. Todavia, a promulgação não se efetivou porque de forma proposital e premeditada engendraram uma argumentação falsa de que o Senado estaria inflando despesas nas Câmaras Municipais.
Dois fatores nos convenceram em aprová-la: a perspectiva do fortalecimento da representação popular e uma maior participação dos pequenos partidos e dos candidatos mais pobres na disputa eleitoral. Penso que, numa democracia, quanto maior a representação popular nas casas legislativas, melhor será para a população, desde que seja observada a limitação de gastos.
A segunda proposta que passou a ser denominada de PEC paralela, que trata dos repasses, ou dos limites de despesa, foi remetida à Comissão de Justiça para ser apreciada no início dos trabalhos legislativos de 2009. Ali, numa discussão madura, encontraremos a melhor solução sobre os valores e os limites dos repasses futuros. Essa solução engenhosa de desmembramento de proposições, sem perda ou interrupção da tramitação legislativa, já faz parte da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (PECs paralelas da Reforma da Previdência e da Reforma do Judiciário). Aproveitaram-se então desse fato, amparado em Jurisprudência, para insinuaram que deixaríamos as Câmaras livres e desimpedidas na realização de suas despesas.
Entenda como pensávamos em dirimir essa questão: enquanto o Senado discutia a PEC paralela, se a outra já aprovada (a que fixa e aumenta o número de cadeiras), fosse promulgada e entrasse em vigor, haveria de fato um aumento de vereadores mas sem acarretar aumento de despesa, pois os repasses atuais estão definidos na Constituição. Incorreria em ato de improbidade administrativa quem ultrapassasse os limites estabelecidos.
Pela Lei de Responsabilidade Fiscal as Câmaras não podem gastar mais de 70% em pessoal. Elas, de qualquer modo, teriam que ajustar os seus gastos à nova composição, economizando para não gastarem além do permitido, e para fazerem face ao pagamento dos Vereadores, inclusive dos que ocupassem as novas vagas. Haveria apenas uma redistribuição dos repasses sem aumento de despesa.
Pela norma constitucional em vigor, as Câmaras têm os seus gastos fixados em percentuais que incidem sobre o somatório das receitas, levando-se em conta faixas populacionais de cada município. Para que se tenha uma idéia das distorções que iria causar a proposta da Câmara dos Deputados, se fosse aprovada com a mesma redação, sem a elaboração da PEC paralela, basta que façamos uma comparação. A cidade de S.Paulo, que tem uma receita mensal de cerca de R$ 2.3 bilhões, teria um percentual de repasse igual ao da cidade de Aracaju (2%), a qual tem uma receita mensal de aproximadamente R$ 30 milhões.
O que isso significa?
A Câmara de Vereadores de São Paulo ficaria nadando em dinheiro, com um superávit mensal de mais de R$ 20 milhões, enquanto que a Câmara de Vereadores de Aracaju com aquele repasse previsto e aprovado pelos deputados (2% da receita), ficaria impossibilitada de honrar até o pagamento dos subsídios de seus vereadores.
Em resumo: se o Senado tivesse decidido pela proposta original da Câmara dos Deputados faria com que as Câmaras de Vereadores de municípios ricos acumulassem grandes somas de dinheiro como superávit, induzindo a gastos exorbitantes e desnecessários e a prática de atos de corrupção.
Enquanto isso, Câmaras de Municípios médios e pequenos ficariam com seu funcionamento praticamente inviabilizado, sem verba para manutenção adequada, nem tampouco recursos para cobrir as despesas com a folha de pagamento de pessoal, inclusive a dos seus Vereadores.
Como haveria uma liberalidade para a gastança nas Câmaras das grandes cidades, ou das cidades com grandes receitas, o país teria uma democracia capenga, com vereadores de duas categorias, apesar de eleitos com o voto do povo. O certo é dar direito iguais para todos os vereadores para que possam exercer seus mandatos com honra e dignidade sem abrir brechas para excessos, desperdícios ou desmandos.
Portanto, é uma falácia alguém afirmar que o Senado contribuiu para aumento da despesa pública ao aprovar a PEC dos Vereadores. Explorar esse fato é mostrar intolerância ao fazer uma leitura fácil e destrutiva da atuação do Poder Legislativo, o poder desarmado e mais transparente, cujo funcionamento traduz se uma Nação tem ou não uma democracia.